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Casa da antiga Viação Férrea de Passo Fundo: patrimônio ignorado ou oportunidade sustentável?

  • Foto do escritor: Fofoca Técnica
    Fofoca Técnica
  • 9 de jun.
  • 3 min de leitura

No centro de Passo Fundo, em plena Avenida Sete de Setembro, uma casa centenária resiste ao tempo, ao abandono e à indiferença. Construída por volta de 1910 para abrigar o engenheiro-chefe da Viação Férrea do Rio Grande do Sul (VFRGS), essa residência é hoje uma testemunha silenciosa do passado ferroviário da cidade. Apesar disso, não foi incluída no processo de tombamento que garantiu a proteção da antiga Estação Ferroviária, tampouco recebeu qualquer destinação pública.

Enquanto a região se verticaliza e se transforma, essa casa histórica segue esquecida – e ameaçada.

A memória apagada: o que está acontecendo com essa casa?

Segundo reportagem da Rádio Uirapuru, a estrutura está abandonada, sofre com invasões e oferece risco de insegurança. A ausência de políticas públicas voltadas à sua preservação e o completo descaso com sua história revelam uma falha grave no reconhecimento do valor cultural e arquitetônico desses bens.

O que muitas pessoas talvez não saibam é que essa casa representa muito mais do que uma antiga moradia: ela é parte de um conjunto ferroviário que transformou Passo Fundo em polo regional a partir da década de 1920.


O papel da ferrovia na transformação urbana de Passo Fundo

O complexo ferroviário de Passo Fundo foi implantado na década de 1890, como parte da linha Tronco Norte, ligando o centro do estado à fronteira com Santa Catarina. Esse sistema foi fundamental para o escoamento de produtos agrícolas e industriais, mas também para a conformação urbana da cidade.

Com a construção da estação e a chegada de novos trabalhadores, surgiu a necessidade de moradias próximas à ferrovia. Assim nasceram as casas dos ferroviários: 13 ao todo, divididas em dois conjuntos. Um deles incluía a casa do engenheiro-chefe, localizada à esquerda da estação, junto a outras quatro unidades (hoje demolidas).


O outro conjunto, à direita, contava com oito casas – três delas ainda estão de pé e habitadas por famílias descendentes dos antigos funcionários da ferrovia.


Características arquitetônicas que merecem reconhecimento

A casa do engenheiro-chefe, atualmente abandonada, é uma das mais interessantes do ponto de vista arquitetônico:

  • Dois blocos retangulares com diferentes alturas

  • Embasamento de pedra

  • Paredes de alvenaria autoportante

  • Cornijas, frontão com óculo central e varanda com pilares falsos esculpidos

  • Telhado de duas águas com telhas francesas



Esses elementos a tornam um exemplar raro da arquitetura operária de padrão elevado, construída por uma empresa estatal em plena década de 1920.

As demais casas da vila (remanescentes do conjunto B) também apresentam soluções modernas para a época, como ventilação cruzada, banheiros com banheira e porões semienterrados. Muitas usavam inclusive trilhos de trem nos elementos estruturais – um reaproveitamento engenhoso e sustentável.


Preservar é também inovar: novos usos para velhas casas

A ideia de que o patrimônio histórico é um peso para a cidade está ultrapassada. Hoje, cada vez mais, vemos cidades no Brasil e no mundo transformando antigos edifícios ferroviários em:

  • Espaços culturais

  • Centros de inovação e coworking

  • Museus comunitários

  • Cafés e ateliês

  • Residências de uso misto


Em Passo Fundo, o Parque da Gare é um excelente exemplo de requalificação urbana. Mas por que a Casa da Viação Férrea ficou de fora desse processo?



Sustentabilidade também é preservar

Reutilizar uma edificação histórica é, antes de tudo, um ato de sustentabilidade:

  • Evita demolições e entulhos

  • Preserva técnicas e materiais construtivos tradicionais

  • Gera novas funções para espaços ociosos

  • Reforça a identidade cultural local


A casa da antiga Viação Férrea, se restaurada e adaptada, poderia ser um símbolo da reconciliação entre passado e futuro. Sua requalificação pode inspirar novas políticas públicas, engajar a sociedade e servir como exemplo de uso consciente do patrimônio.

E agora?


Ainda é tempo de agir. Os artigos de Diniz, Almeida e colaboradores deixam claro: essas casas não são apenas vestígios do passado – são ativos urbanos que merecem atenção, estudo e valorização.


O que falta? Vontade política, investimento e, acima de tudo, mobilização social.





Fontes e Referências

ALMEIDA, Caliane Christie Oliveira de. Habitação social no Nordeste: a atuação das CAPs e dos IAPs (1930–1964). Tese (Doutorado) – Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2012.

DINIZ, Pedro Henrique Carretta. Habitação e trabalho: as vilas e loteamentos operários de Passo Fundo (1920–1980). Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – IMED, Passo Fundo, 2021.

LEDUR, Cláudia; CANEZ, Anna Paula. Ferrovia e habitação: a linha tronco-norte gaúcha e o complexo ferroviário de Passo Fundo. Revista arq.urb, n. 40, p. 1–10, abr.–dez. 2025. DOI: 10.37916/arq.urb.vi40.700.

SPAGNOLLO, Pricila. Cidade e ferrovia: transformações urbanas em Passo Fundo/RS. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – IMED, Passo Fundo, 2022.

TEDESCO, João Carlos. A gare e o trem em Passo Fundo: sinergias econômicas – 1898–1978. Porto Alegre: Editora & Livraria Frei Rovílio, 2015.

ZANOTTO, Gizele. Entrevista à Rádio Uirapuru. Casa da antiga Viação Férrea de Passo Fundo, construída em meados de 1910, segue abandonada e gera insegurança no centro da cidade. Publicado em 25 abr. 2025. Disponível em: rduirapuru.com.br

 
 
 

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